O despertar de um mudo

Simples noite de quarta. Eu, sentado no sofá da velha sala, respirava o ar daquela noite com cara de agosto. Os bêbados incuráveis costurando suas ressacas noite afora, os amantes gozando seus furtivos casos, e eu atravessando a típica ausência de caos que presenteia as madrugadas. Suspirava a discrição de um homem comum, que vivia uma incomum insônia brindada pela conversa inesperada da sala de estar. Ao meu lado, no sofá, uma mistura de cabelos castanhos e longos e um pijama preto afundavam a espuma do assento. Milhares de fios acastanhados não se comparavam àqueles, não por causa do tamanho, não pela cor ou espessura. Eram as mechas de quem dividia um instante único de apatia e falta de sono.



Foto de Christopher Eaton
Passava um filme tolo de fim de noite. Uma proeza televisiva feita pra não provocar mais entusiasmos, somente para cumprir a grade de horários e deixar distante o fantasma da colorbar. A centésima tentativa de êxito depois de noventa e nove erros. Há motivos para a perseverança? É preciso realmente manter a esperança de tentar? Isto de repente fugiu às fronteiras da cinematografia barata. Uma questão tão adaptável a qualquer coisa que lhe pareça cabível. 

- Esse é o segredo, pensei comigo mesmo e dividi com a moça ao lado. 

Os mais sábios são os que tiram lições das situações mais diversas. São os que vestem as calças do provérbio na nudez de um sábado. Enxergam por trás dos horizontes turvos da trivialidade. Pensando assim, chego à conclusão de que não sou um sábio. 

O filme termina, e os créditos cinematográficos hipnotizantes prendem meus olhos; desconfio ser uma lista infinita, o filme do século estrelado pela humanidade. Trinta metros de cabelo castanho agora me atam, entram cérebro adentro. Estranhamente nosso pensamento se une e agora, juntos que nos tornamos, silenciosos como a madrugada, mergulhamos no pesado calar que a noite traz em bandeja de prata. Mudos, estáticos, vazios. 

Ela pensa um sono leve. Ela descansa a cabeça e de seus lábios sai o som da surdez. A minha surdez premeditada. No final das contas, sou apenas um mudo que desperta do sono profundo do inconsciente.

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