Males súbitos

Conhecer a si próprio por inteiro é tarefa difícil, quase inalcançável. Terá sempre uma atitude tomada no desespero ou na alegria que sairá dos trilhos do nosso controle, que no surpreenderá por estar fora das previsões. Cada um cultiva dentro de si uma espécie de monstro adormecido que espera sempre o momento certo para despertar. Quando nossa fúria não explode de súbito, há também quem preserve seus males com o mesmo esmero que conserva seus prazeres.
O livro Leviatã, de Julien Green, prova, também com o título, que nossas feras interiores existem e, dependendo da sua magnitude, são capazes de abalar uma cidade inteira. Escrita com maestria, esta trama de 1929 retrata uma história que ocorre na cidade de Lorges, na França. O lugar superficialmente pacato e de pessoas simples, serve de cenário bucólico para os fatos que são desencadeados pouco tempo depois da chegada de um professor à cidade. E é isto que Julien quer que o leitor pense: na simplicidade falsa de cada morador, sendo que, na verdade, cada um alimenta sua complexidade psicológica com seus bichos-de-sete-cabeças, manias, defeitos, traumas, anseios e medos. Por trás do semblante de um burguês, uma lavadeira ou até de uma dona de restaurante, há um espaço reservado para as máculas que cresceram com a humanidade, descritas de uma forma que nos leva a crer que ninguém está livre delas.

Leviatã, edição de 1948 do Instituto Progresso Editorial S.A.

O leviatã, monstro mitológico bastante retratado na Bíblia e em outros registros literários, é caracterizado como um dragão marinho de força incalculável. Intitula o livro e batiza a história, mas não sem deixar as habituais lacunas que são feitas por grandes metáforas. Quem, da trama, seria associado por Green ao monstro? Seria realmente um só personagem ou, de repente, todos, formando uma onda de especulações, ferocidade e terror, tal qual o monstro provoca? Ou, quem sabe, seria leviatã a força invisível que desencadeia os desastrosos acontecimentos na cidade? Fica a critério do leitor definir, sendo levado a reflexões que nem o final do livro pode ser capaz de encerrar.

Recomendo a leitura!

Até.

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