Vamos de conto?

E hoje é dia de contar histórias!

O texto que compõe o post de hoje na realidade já foi publicado na edição Circo, da Revista Mescla. Porém me encantei pela narrativa (e pelo tema, mais uma vez) e resolvi compartilhar com quem ainda não teve como dar uma olhada na publicação.

Boa leitura!

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Por trás do picadeiro
Por Mariany Carvalho


Um passo com êxito e o delírio da platéia. Aplausos, luzes, sorrisos e euforia emolduram o final da apresentação de Bela Sofia, a trapezista do circo que está na cidade. A face maquiada e de dentes abertos agradecem a reação geral até o fechar das cortinas e a interrupção pela voz do locutor. 

Apagam-se as luzes – do palco e do rosto da jovem artista circense. Quem dá alegria ao povo não necessariamente se apóia nela. Uma história escrita com tintas, roupas brilhantes, desencontros, treinos, espetáculos, nostalgias. Um mundo de realidade sufocante que sustenta a fantasia circense. Confetes feitos de lágrimas, malabares feitos de dores, sorrisos construídos sobre pesares. Bela Sofia: trapezista, bailarina, atriz e desiludida. 

Gostava de repetir que viver de circo não é fácil: há sempre o medo das cadeiras vazias, da queda, do deslize, do descompasso, da seriedade, da morte. Viver de circo é um ato de coragem, e somente os bravos aceitavam o desafio de doar a vida e a sanidade às viagens, ao cotidiano incerto e ao nomadismo. Mas Sofia perdia suas certezas a cada bater de palmas de um pai entediado por levar o filho de 3 anos ao único programa mais barato do dia. 

Terminava a noite resignada, tirando a maquiagem com a esparsa esperança de que, junto com os tufos de algodão, fossem embora os seus dissabores. Mas eles só reavivavam lembranças a cada imperfeição exposta. Pais distantes, amizades desfeitas, amores interrompidos; tudo isso em troca de faíscas de felicidade que surgiam ao final de cada apresentação. Hoje em dia elas viraram rotina, e nada mais reacenderia o prazer de entreter. 

Novo dia, mesmo show. Os preparativos acertados, meia hora para a maquiagem. O delineador à prova d’água acompanha os olhos e nem percebe as lágrimas. Purpurina e cores anunciam que hoje é noite de brilhar. 

Casa cheia e seu nome anunciado pela voz profética do locutor: “Bela Sofia, a trapezista!”. É hora de mostrar ao público o resultado de horas de preparação e suor em prol da alegria de muita gente, mesmo sendo por poucos minutos. A sua alegria, porém, não entrou em jogo. 

Do alto, rostos apreensivos aguardavam o êxito. Mas hoje não. 

Preferiu liberdade e ombros leves; preferiu um ponto final. Um deslize programado, uma corda trêmula a metros de altura, rostos horrorizados e um jovem corpo no chão. 

No final das contas, por trás do picadeiro há sempre uma história pra contar.

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Gostaram? Não deixem de conferir as publicações da Mescla e a coluna Badulaques, onde publico textos inéditos a cada edição.

Ah, tem uma novidade: na próxima edição, sobre New York, a coluna Galeria mostrará um pouco da minha exposição "O Feminino nos traços da arte". Tem bastante coisa pra conferir, hein! Fiquem ligados que a nova Revista Mescla sai no próximo mês. 

Até!

2 comentários:

  1. Interessante e melancólico com uma pitada de realidade moral. Parabéns S2 !

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