Aqui

Aqui é o tudo ou o nada
É oito ou oitenta.

Aqui é onde se olha de viés e com medo a espreita do chicote do carrasco
É onde o riso cúmplice é crime capital
É onde se peca pelo excesso e pela falta
Onde cada passo pensado nunca sai como o previsto.



É onde o choro que escorre queimando as faces é tido
Como simples peça de uma artista em decadência
É onde o equilibrista, iludido, atravessa a corda bamba
Sem saber se o público vai se alegrar com a sua queda ou com seu êxito.

É onde se olha o amante no dia seguinte do mesmo modo que um mendigo
Ou um cachorro sarnento em busca de uma pedaço de comida
Aqui é a Bolsa de Valores onde acionistas aficionados investem
Seus valores e tempo escasso em mercados instáveis.

Aqui é onde se torna o canal de escape da solidão cotidiana
Onde nosso lado oráculo tenta adivinhar confissões caladas
Onde vitrines de aromáticos trazem lembranças bobas
De preferências gustativas e olfativas de entes queridos.

Aqui é onde o artesão trabalha com arte a lapidar o diamante
Sem perceber que aos poucos vira ele matéria bruta
É onde o carinho é mudo, surdo, seco e suado
É onde palavras se perdem pela obrigação de serem empregadas sempre.

É onde o réu prefere ser culpado de ter um frio coração de pedra
Do que ter um coração de carne que sangra todo dia.

Aqui é onde não há descanso!