Sem título

O calor que vinha castigando todas as tardes nos últimos meses pareceu, nesse dia, cansado de ouvir tantas reclamações daqueles que viviam sobre a influencia dos seus raios e resolveu, por fim, tirar um dia de folga.

De qualquer forma, ela estava decidida a sair com ou sem sol. Deu um jeito de enrolar os poucos compromissos do dia e reservou sua tarde de quarta-feira para ir à praia. Achou que seria uma boa ideia, pois a praia não costumava ficar cheia durante os dias de semana e ela sempre gostava de ver a praia assim: calma, vazia... Só sua. Lembrando um pouco "Tarde em Itapoã" que, diga-se de passagem, era uma música da qual gostava muito.

Caminhou com os pés descalços na areia até chegar na parte onde ela ficava mais úmida e ali se sentou. Estava usando uma blusa branca e uma bermuda jeans bem justa que muito provavelmente teria sido uma calça algum tempo atrás. O dia estava relativamente ameno, era verdade, mesmo assim não permitia extravagâncias no vestuário. Ali, ao som do mar e do vento, ela pôde enfim tantar pensar com mais clareza no rumo que sua vida estava tomando.

Ela ainda pensava muito nele. Estaria mentindo se dissesse o contrário. Mas no fundo sentia que algo havia mudado. E cada dia que passava, essa certeza crescia dentro dela. Cada dia ele mudava um pouco. Ou será que era ela que havia mudado? As vezes punha a culpa toda na rotina. Chegava até mesmo a imaginar Chico Buarque falando pra ela que "O amor de vocês é tão bom. O horário é que nunca combina". Mas sabia que a culpa não era só da rotina, embora ela tivesse uma boa porcentagem.

Ela não conseguiu ser aprovada no vestibular para o curso que pretendia, por isso mesmo optou por não fazer nenhum outro. Sua rotina era ajudar a mãe nos afazeres domésticos e fazer cursinho a noite. Já ele passou em primeiro lugar no curso que queria e ainda conseguiu um emprego no mesmo ramo. Ele era muito inteligente, além de gostar de ler, gostar de música e ser bom em quase todos os esportes que praticava [tirando futebol, ele era uma lástima]. Justo essa diversidade que encantava e chamava sua atenção. Embora algumas vezes já tenha parado pra pensar que isso era só ilusão. Gostava dele e, talvez por isso, não via seus defeitos. Que covardia: quem ama não ver defeitos.

Com o passar do tempo, parece que os assuntos que antes sempre os interessavam não tinham mais essa mesma capacidade. Se encontravam sempre que podiam. Se convidavam para shows, peças, exposições. Mas sem esses eventos como BG, a conversação entre eles era morna, rasa e desinteressante.

Pensava em o quanto a distância [física e seja lá qual forem as outras] tinha lhes feito mal. Mal? Porque não dizer que lhes fez um bem? Mas o que afinal isso tem a ver com o bem e com o mal mesmo? Talvez não fosse nem bom nem ruim, era só o fim mesmo. E esse caminho faz parte do calvário do amor até sua crucificação. Nem sabia se podia usar a palavra "amor". Sempre soube de coisas boas sobre o amor nos livros em que liam e nas histórias que ouvia.

Sentiu algo molhado nos pés que a trouxe de volta à realidade. Era a água da maré que estava enchendo. Por um momento sentiu-se feliz ali sozinha na praia. E se perguntou porque não ser assim o tempo todo. Felicidade sempre depende da pessoa e não do meio. É tudo uma questão de prioridade. Disse a si mesma enquanto levantava e ia embora que ia se lembrar disso quando chegasse em casa. Virou-se para trás por um momento e viu a maré apagando suas marcas de uma tarde inteira da areia.

Sentiu que havia entre ela e aquelas marcas muitas semelhanças.

5 comentários:

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  2. cara muito bom!!! Vc está escrevendo cada vez melhor, parabéns!

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  4. Confesso que senti nEle algo de familiar, não sei bem...tirando certo ponto pode ser minha versão masculina, talvez...[risos]
    Concordo com Palavra...escreves cada vez melhor!
    E credito ao espanto o fato de estar alheia a tua vida...ou estaríamos ambos alheios um do outro?

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