Um conto à toa

Revirando meus arquivos, acabei encontrando esse conto, escrito despretensiosamente em outubro do ano passado, seguindo uma diretriz que eu particularmente não adoto muito: a do conto, e ainda por cima de uma história ficcional. Mas como sempre há uma primeira vez pra bastante coisa em nossa vida, resolvi publicar o conto aqui no blog e, quem sabe, tentar produzir algo assim com mais frequência.



Boa leitura! :)


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Um conto à toa
Por Mariany Carvalho

Dentro de um reino distante, fora dos livros de Geografia, dos registros históricos e dos mapas demográficos, morava certo menino sedento e faminto. Todo dia bem cedo, preparava a mesa, arrumava os pratos, dispunha os talheres e, às nove horas em ponto, aproveitava a deixa do sol e colhia o seu raio mais puro. Primeiro um, sorvido calmamente; depois dois, três, e assim em diante até que sua gula fosse saciada. 

Não era todo dia que o sol lhe era bondoso e oferecia seus nacos de luz como frutas em bandeja. Nos dias tristes, onde o astro acordava com frio ou com gripe, o menino contentava-se com a claridade coada das nuvens. Nem sequer sujava o prato. Sobrava louça e fome. Porém, em dias de festa e felicidade, quando o sol amanhecia sorrindo e balançando a cabeleira iluminada, o jovem garoto aproveitava o banquete e fartava-se da luz oferecida a baldes. Emagrecia os raios de sol do dia, mas engordava cada vez mais a si próprio. 

Certo dia, ao acordar e iniciar os preparos da sua comilança, o menino notara que a manhã sequer abrira os olhos. Tudo que era vivo parecia fenecer, e uma miscelânea de noite com tristeza pesava naquela manhã nada trivial. Buscou, com o olhar voltado para o céu, aquele que era o responsável pela sua fartura; quem, com um abrir de pálpebras ou um movimento de cabeça mudaria a trajetória de suas 24 horas diárias. Vidrou os olhos no azul e encarou, questionador, todo tipo de nuvens; nenhuma foi capaz de lhe responder o segredo: onde estaria o sol? 

De cumulus a stratus, todas se entreolhavam curiosas, num ciclo tenso de dúvida suspensa no ar. Não era um dia como qualquer outro em que o sol se esconde. Dessa vez não havia vestígios, nem pegadas; sequer uma pista do rumo tomado pela grande estrela. Era como um ladrão furtivo que apaga suas pistas antes de escapar da cena do crime. 

Já não havia mais banquete. Do breu do dia enfim saiu uma certeza, e com ela uma mochila pronta para a jornada. O jovem rapaz decidiu, finalmente, sair em busca do sol. 

As pequenas mãos do garoto, livres e ágeis, ajudaram-no a subir na árvore mais alta da cidade. Quilômetros de galhos e folhas entrelaçavam-se, formando aquela enorme escultura esculpida pela natureza, e do topo de sua copa podia ver-se o mundo todo. Lá no alto, na ponta dos pés, o menino agarrou-se à nuvem mais gorda que encontrou e atravessou o céu, subindo na escada de vapor improvisada. 

Inúmeros e grandes degraus o levaram a uma minúscula porta branca, que dividia o seu céu do restante do universo, que era nada mais, nada menos que um grande pedaço de imensidão negra. 

O primeiro passo foi dado. O segundo perdeu-se e o garoto se viu flutuando pelo espaço, onde ao longe conseguiu perceber o brilho do astro tão procurado. De repente, como que sendo sugado pela abundância da claridade, o menino chegava cada vez mais rápido em direção a ela, cada vez mais perto e cada vez mais dentro da luz. O universo e o menino iluminados: sua pele, seus cabelos, estrelas, dentes, planetas, ossos, músculos, alma. 

Sumiu repentinamente. 

Hoje em dia, na cidadezinha fora do mapa e longe dos livros de Geografia, o sol continua lançando seus raios iluminados. Nada mudou no seu ofício de brilhar. Porém, segundo os moradores mais antigos – e da sabedoria popular não há o que se discordar -, vez ou outra o astro tem companhia: uma estrela bem pequenininha, que aparece ao seu lado às nove horas das manhãs mais bonitas da primavera.

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Até!

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