Atrás da porta

Fiquei olhando fixamente pra ti. Esperava encontrar talvez no fundo dos teus olhos castanhos uma corda pra me tirar de dentro desse pesadelo. E fora d ele eu veria que todas aquelas palavras que chegaram aos meus ouvidos, como a minha sentença de morte, não eram nada mais do que uma brincadeira sem graça. Mas eu não vi nada disso. Nem corda nem brincadeira. Nada. Sim, você estava indo embora.

Só podia se mentira ou, no mínimo, um desvario da tua cabeça. “Vou embora”. Tu falou dessa vez em alto e bom tom. Isso atravessou meus ouvidos como um tiro. Eu não morri, mas senti o impacto. Então depois de todo esse tempo você resolve ir embora? Com certeza deve ser por causa de alguma mulherzinha qualquer que você encontrou pela rua. Devia ser isso, sim. Tu encontrou uma mulher mais nova e mais gostosa que caiu na tua lábia e me deixou aqui, como se eu fosse igual àqueles barbeadores que tu usa e joga fora quando não dão mais pro gasto.
Foi quando vi que perdi anos da minha vida em vão. As palavras, sorrisos e prazeres que te dei não foram nada além do contato físico e da comodidade que tu tinha em ouvir e ter tudo que querias. Nosso sexo era só mais um entre tantos outros, com outras mulheres, em outros lugares. Tu nunca retribuiu à altura o amor que te dei. Agora eu sabia que além de não retribuir, você também não o merecia.

Você foi indo em direção a porta com a mala na mão, com passos curtos e uma expressão serena e tranqüila, como se tivesse jogado limpo ou fazer um favor pra mim. Como se fosse tu que tivesse sofrendo. Ver isso foi como ver uma parte de mim indo embora também. Decidi que não seria mera espectadora da tragédia na minha vida. Me joguei nos teus pés sem pensar, por puro instinto mesmo, e te abracei forte, quase machucando, talvez pra tu sentir na pele o que eu sentia na alma. Te arranhava com raiva o peito, te puxava os cabelos, te atacava com um animal que protege o território, que avança sobre o inimigo corpo à corpo, se ferindo se sangrando, se rasgando, se humilhando. Eu era um animal. Eu era feroz. Mas era outro animal que estava ali também. Eu era um cão à espera do osso,à teus pés. Eu era teu animal. Tua onça domada.

Você foi, enfim. Fiquei jogada no carpete, cara borrada de choro, cabelo bagunçado, roupas rasgadas e a alma sangrando. E a idéia de te dar o troco me consumiu. Eu passaria com outros homens bem por debaixo das tuas fuças, te faria ver a mulher que perdeu, te faria sofrer. Eu queria te ver sofrer e vir chorando pedir perdão. Mudaria de calçada pra não cruzar teu caminho, falaria mal de ti, falaria mal das tuas transas e anunciaria teus defeitos aos quatro ventos. Te odiaria... Até tu me amar de novo.

10 comentários:

  1. O.O

    Nossa!!!!!
    Vc precisa escrever mais textos assim, está ótimo! Frenético e excitante, adorei. Pena o meu teclado estar o jeito que está, porque se estivesse bom passaria meia hora elogiando. Sem exageros.
    Adorei a parte: '...talvez pra tu sentir na pele o que eu sentia na alma.'
    Enfim, amei!

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  2. KKKKK De onde veio tal inspiração? Se foi pessoal, quem eras tu? Rs. Brincadeiras a parte está surpreendentemente maravilhoso. Não sou fanática por esse estilo mas tenho que tirar o chapéu para teu conto. Já viu no twitter a editora que está aceitando contos? Tu devias levar tua sede de vingança para aquelas bandas oh louca insana! Bjs

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  3. gostei de duas partes
    '...talvez pra tu sentir na pele o que eu sentia na alma.'
    ' Te odiaria... Até tu me amar de novo.'

    eh mais ou menos assim que qualquer mulher dramática pensaria

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  4. Muito bom o texto, Gildson!

    Você tem talento. Coloque-o em prática!

    Um abraço

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  5. Olá, pessoal!

    Talentos crescentes. É assim que defino o Gil e a Mary.

    A cada postagem, o Badu dá luz a questões aparentemente simples, mas que rendem muitas reflexões e acabam por pertencer a todos nós. O curioso é que ainda assim, se não fossem pelos excelentes textos dessa dupla, essas mesmas questões correriam o risco de passarem despercebidas...

    Muito bem, e agora eles se arriscam pela literatura, entre contos cheios de uma atmosfera nova e envolvente.

    Parabéns, Gil!"Atrás da Porta" reune ritmo e emoção em um texto muito bem escrito.

    Desejo que o Badu continue assim, crescendo e nos presenteando com ótimas leituras e reflexões!

    Abração!

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  6. meus mininus...vocês me surpreendem cada vez mais...frenético,insano,eufórico,onírico eu diria...tô ficando fissurado no badu...

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  7. Minha gente, o Gil nunca me disse que escrevia contos desse jeito, adorei!
    principalmente "Te abracei forte, quase machucando, pra você sentir na pele o que eu sentia na alma."


    Amei mesmo!

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  8. dá uma passada no meu é
    www.apollounderground.blogspot.com

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