Corpo fechado

Foto: divulgação

De prata, cai suave emoldurando o asfalto rijo. Completa a escala de cinza da capital. O céu, em conjunto com prédios, fumaça - agora abafada - e o piche, compõem o quadro melancólico da tarde chuvosa.

São todos eles, vistos de formas diferentes, sentidos de formas diferentes. Os seres, ou os pingos, se preferir. Cada um, na sua individualidade, forma o balé clássico da enxurrada, forma a multidão apinhada nas calçadas, nas casas, nos parques.

Agora, ela cai pesada e violenta, acompanhada do vento avassalador. Derrubando árvores, destelhando casas, enxaguando terraços, ensopando varais. Violentos também somos nós, na explosão dos nossos temporais inconscientes - ou lúcidos. Beleza e destruição na mesma frase, opostos atraídos, concordando com a física e com o dito popular. A chuva, entre tantos outros presentes da natureza, esse fenômeno capaz de alegrar e entristecer, nunca se pareceu tanto com todos nós.

A agudeza da queda, a força de cada minúscula gota que, sozinha, se esvai na palma da mão. Determinada, fura o chão e dói na pele, faz barulho e grita pelo som singular das telhas. É a voz da chuva, como alguém que conta um segredo através de inferências, que revela uma verdade indiretamente e que, por este motivo, preserva a beleza da revelação.


Tudo não passou de um colapso nervoso.

Minha raiva se vai, escorre no bueiro da rua junto com a água da chuva e o lixo das calçadas, acumulado há tantos meses. O lixo do mundo inteiro que estava em mim se foi com o temporal. A ira do céu inteiro pegou carona na raiva do meu corpo e trovejou em uníssono. Lavou a alma.

3 comentários:

  1. Também fiquei de alma lavada com esse texto!
    muito bom!!!
    abraços blogosféricos!
    mayanne serra

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  2. Além da tua enorme sensibilidade para captar as coisas e traduzir nos textos que posta tem também a habilidade pra conseguir escrever bem entendível e sem exagero. Acho isso muito massa

    O badu cada vez melhor.
    Feliz 2011.

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  3. Este teu blog é maravilhoso, e este texto é sublime!

    Um beijo,
    Ricardo.

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